Cantor
Falar sobre Gente da antiga
não é fácil. De início, a foto da capa já intimida. As feições de
Clementina de Jesus, Pixinguinha e João da Bahiana parecem transmitir a
quem olha o sentimento de alegria e descontração que imperava naquele
ambiente dos três dias de gravações, onde não houve praticamente nenhum
ensaio: os três, acompanhados de vários músicos, decidiram o que tocar
somente na hora. E que time de músicos: Canhoto, Dino e Meira no
acompanhamento chorístico; Manoelzinho na flauta e o maestro Nelsinho no
trombone; Marçal, Gilberto, Luna e Jorge Arena na percussão típica e um
coro formado por Nelson Sargento, Anescar, Jairzinho da Portela entre
outros (lembro-me de ter perguntado ao Hermínio Bello de Carvalho sobre o
fotógrafo que captou tal momento: Pedrinho de Moraes, senão me engano
tem algum parentesco com o Vinícius, mas não recordo qual é).
Choros, lundus, corimas e sambas de rodas comandam este disco. A primeira faixa é o histórico choro Os oito batutas,
composto por Pixinguinha em 1921 para seu grupo musical de mesmo nome,
onde o saxofone do mestre conversa com a flauta de Manoelzinho, tendo as
intervenções do trombone de Nelsinho. Fala baixinho é
outro belo choro que ganhou letra do Hermínio, bem conhecido na voz de
Elizeth Cardoso, e tem como destaque a base constantemente arpejada do
cavaquinho de Canhoto e o solo de trombone de Nelsinho na parte B.
O lundu Yaô – cujo significado é filha de santo do
terreiro – é praticamente um elo perdido do que as raizes africanas
fizeram na cultura musical brasileira (a letra desta música, com sua
respectiva “tradução” publicarei em outro post). Mãe Quelé entoa após a
introdução da cuíca de Marçal o popular refrão “Roxá, vamo vadiá, minha nega” em Roxá,
nesta batucada que repesenta uma amostra das origens do samba de
partido alto. Clementina improvisa muito à vontade na gravação, o que
faz recordar bastante a gravação do show Rosa de Ouro.As corimas
cantadas por João da Bahiana e Clementina de Jesus Quê quê rê quê quê e Mironga de moça branca
mostram nitidamente o sincretismo religioso nesses cantos afros que
trazem referências católicas. Eis a saudação de João antes de se iniciar
a música: “Louvado seja meu Senhor Jesus Cristo, viva gente de linha de Angola, viva gente de linha de Nagô e viva gente de linha de Gexá!”
Para quem deseja conhecer as raízes do samba este é um disco
obrigatório, amostra única de um momento de três artistas que fizeram
deste um marco atemporal na história musical brasileira.
Fonte: SovacoDeCobra
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